Alessandro Atannes (Santos, Brasil, 1973). Periodista y ensayista. Maestro en Historia Social. Autor del libro: Esquinas do Mundo: Ensaios sobre História e Literatura a partir do Porto do Santos. Traductor responsable por la versión en portugués de Óscar Limache y Javier Heraud, poetas peruanos publicados en Brasil por el sello editorial Cartonera Sereia Ca(n)tadora.
POEMA PARA LUZ DIURNA
O que mantenho no olho desperto
é um fio de luz diurna,
a mesma que desperta em minhas têmporas
e faz surgir a palavra em redomoinhos.
É a mudança do pó cego até a luz
a conversão da sombra em lucidez da fala.
Sem fala, mudo na insistência, atravesso seus limites:
norte-sul
dimensões:
altura x largura.
Longitudes abismais do retalho,
fragmento do mundo.
Desperto me lanço.
E do visto, é o aprovado
gravando cores na casca da lembrança,
sobre um suporte onde criador e mãos
assinalaram com pontas de pincel
a transparência de uma piscada elétrica
de luzes acordadas, recordadas
como um punhado de pó lançado ao ar
envenenando o ar de cores.
Esta tela tem manchas,
uma linhada de existências,
um palpitar revolto na água
e um ar de objeto alcançado.
Por mais escuridão que vejas
leva por dentro a luz secreta,
entremeada a carne aguda
quando a altas horas bateu à porta
a coincidência de escrever,
pintar o mundo,
armar o mundo,
sitiá-lo inteiro em um quebra-cabeças,
por nome nas pálpebras caladas de mil crostas de desvelo
de cada uma das arestas da noite pendem etiquetas, fios, humores e suor.
Do combatente é a ordem e o reparo.
Este entremeado me cruza o sangue.
Antes cruzou rios
quando saltou de um papel para as veias
e delas para os ângulos albinos do quadrante.
O traço convertido em palavra,
abre palavras com a consistência do brilho mais puro
botões que quiseram acordar no lume
ser pós-moderno no acrílico
ser na pintura
e estourar até se tornar carne, muro, parede
uma explosão áurea
a partir do centro até calar os limites
por onde resiste-se a sair como uma cascata
vir até ti, abstrata na matéria.
Na pulsão do primeiro criador na rocha, existe um nome:
nome da cor mais cinza, azul, sábia de cores
os mais enfeitiçados
unguentos para assediar a eternidade.
BALSA
I
Não
chove... ninguém escuta o batimento que treme
desprendido
de uma raiz profunda
Ninguém
escuta um estertor de vozes, uma oração filtrada
como
água desgarrando da rocha
Abaixo
a memória foi substituída
abaixo
tiritam os ossos
O
núcleo que prediz o fim é uma chama
uma
couraça partida; o fogo do princípio
é o
retorno ao fim
Escrito
no ar, um balbucio disperso foi mais um redemoinho
que uma
couraça coberta de pó
Couraça
nas trevas, não emite um rugido
que
enche a boca de apoios para um canto
no dia
em que terá cicatrizado por dentro
Algo
nomeio apenas com uma aresta do silêncio
algo me
assegura que minhas palavras partidas
não
penderão do fio eterno
Me
abrirei à consistência do perdido
da
fumaça negra de que desprende a cinza
Atravessada
estará a resposta, longe de banhar com a luz
as
costas dos astros
longe
de sacudir a poeira encapsulada
que não
foi orvalho na manhã
Longe
de continuar a marcha
a
inesgotável marcha
pela
periferia do naufrágio
Um
tremor me deixa fissuras, abandona os indícios do pulso vivo
me
submerge na mais caudalosa tempestade
as
vozes que não digo habitam sob a terra
A balsa
abriu as passagens, as enormes asas transparentes
Em nome
da salvação
deixou
a margem e uma coroa de espuma
extensas
redes na borda da intempérie
Uma
balsa
no nome
da tempestade
arrastou
para a corrente
ervas
daninhas de movimentos, vozes trepadas
umas
nas outras como um rugido coletivo
como um
vulcão que se vê à distância de seu horizonte
com sua
lava secreta apenas orvalhando a vista
Foi
débil o pedaço de madeira
esperou
anular a esperança
em um
porto de luzes cegas.
II
Os
desterrados falam e emudecem
agora:
a proximidade do ar lhes revela
a
exalação que emitem as entranhas
Uma
boca aberta desde a primeira luz do olho
foi um
primeiro grito, depois um tremor de palavras
exalação
de cansaço como uma chuva insistente
O final
que as bocas emitem selam os poros da terra
O
cansaço como uma chuva
sobre o
asfalto
Caminhará
por horas em círculos concêntricos
apenas
para topar com a meta atingida.
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